A Raiva e o Tédio (uma história que pode ser a sua)

Uma vez esse gato aqui que voz fala teve uma visão, olhou pela primeira vez no espelho, um espelho quebrado que estava ao lado de uma lata de lixo, e nesta visão pude me entender. Mas como ainda sou um animal irracional só pude entender esta visão quando em minhas voltas por aí encontrei numa praia, sentado numa pedra Samuca, um rapaz comum logo de cara, mas que estava sofrendo de amor. Eu parei, olhei para ele e perguntei o que lhe afligia. Foi aí que ele contou a mim sua história de vida, decepção e amor. Vi-me nele.
Samuca sempre foi um cara meio louco, diziam até que a loucura era coisa de suas atitudes inconseqüentes, suas afinidades com pessoas e coisas ilícitas, seu jeito despachado e ao mesmo tempo educado de ser brincalhão e seu exibicionismo incontido.
Nunca houve uma pessoa que não gostasse dele à primeira vista, mas o problema de suas amizades era sempre a convivência, pois ser um cara bacana e educado o tempo todo sempre cansava as pessoas no dia-a-dia de proximidades. As mulheres, então, não queriam nada com ele, pois se tem uma coisa que eu não entendo dos humanos é aquele ditado que diz que as mulheres preferem os maus e não os bons. Isto é fato.
O tempo foi passando e Samuca foi ficando mais velho, amadurecendo e com essas mudanças comuns no ser humano, ele se tornou uma pessoa mais comedida em seus vícios e atitudes inconseqüentes, parou de beber, deu mais ênfase ao trato educado que sempre tivera com as pessoas e se tornou, ainda que exibicionista, um grande amigo. Mas entenda que sua vida sentimental só piorava, pois se antes tinha atitudes que o deixavam com uma impressão às outras pessoas de que era da pá virada (o que deixava muitas mulheres a fim dele), agora comedido, se sentia e ficava mais sozinho, pois se tornara o bonzinho da turma, o amigo.
E essa amizade se refletia cada vez mais entre ele e as mulheres, ele compreendia as mulheres como nunca conseguira antes, juntava agora mais amigas do que pessoas em sua agenda de transas de quintas-feiras chuvosas e sem compromisso. Namorada então, virou coisa rara em sua vida, pois sempre que gostava de alguém para dar início a um relacionamento, as mulheres fugiam dele, com medo de ter um cara muito bonzinho ao seu lado e de perderem um bom amigo, amigo de verdade.
Tudo um dia virou sua vida de ponta cabeça de verdade quando ele conheceu Amaranta, uma menina doce e ao mesmo tempo louca em suas atitudes de mulher solteira. Logo que se conheceram pessoalmente, essa menina de nome de personagem de Gabriel Garcia Márquez, rapidamente mostrou quem era, e mostrou com isso um gênio difícil e imaturo, um pouco egoísta e materialista. Mas linda, com um bom papo. Ingênua muitas vezes e doce em seu jeito de ser amiga.
Ponto, Samuca se apaixonou por ela. E foi uma paixão daquelas de virar os olhos. Ele sonhava com ela, pensava nela o dia todo. Escrevia músicas e poesias para ela e para seu nome literal e diferente. Samuca só sofria com tudo isso, pois ao mesmo tempo em que sua amizade com Amaranta se firmava e virava uma amizade sólida, ele se apaixonava mais e mais por aquela menina de dez anos a menos que ele. E essa paixão não correspondida o matava por dentro, pois encontrara o amor numa forte e sólida amizade. E transpor esse muro era coisa difícil para ele, coisa que seu jeito de bonzinho e educado tornava surreal.
Ela sempre mostrava em poucas palavras e gestos que esse muro imaginário era mesmo intransponível, pois uma amizade era coisa muito valorizada por ela, e não havia porque mudar isso entre eles. Isto o assassinava por dentro, mas ele seguia em seu amor, sua amizade e em seu silencio não muito silente a respeito do que sentia por ela.
Amaranta um dia deixou bem claro, com uma atitude perante Samuca que entre eles era só amizade, no dia em que saíram juntos para uma festa, dia este em que Samuca se preparou em frente ao espelho para ela e ela a certa altura da noite o deixou sozinho e beijou outro cara, para se divertir.
Neste dia Samuca entendeu que perdera algo em si mesmo e resolveu seguir os conselhos sobre amizade que Amaranta sempre lhe dava. Fingiu que nada doía e continuou sua caminhada de amor e amizade em silêncio.
Eu ouvindo toda esta historia de amor e sofrimento, fui pego de surpresa com uma pergunta de Samuca. Pois tal noite fora a noite anterior àquele nosso encontro na praia.
- O que fazer, meu amigo Gato Laranja? Como posso continuar vendo ela todos os dias como seu amigo se a amo de verdade? Fora o fato de eu ontem ter perdido toda a confiança que tinha nela como um amor futuro em minha vida, não em sua amizade. Mas não conseguiria estando ao seu lado passionalmente e confiar nela. Em sua fidelidade. O que fazer?
Foi aí que eu, do alto de meus conhecimentos, respondi sinceramente:
- Também não conheço as mulheres, assim como você!
Gato Laranja
21/05/2008

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