A alma da puta que não pariu

“Vai à puta que te pariu!”
Algum dia, em algum lugar você já deve ter ouvido esta expressão, talvez como um xingamento próprio de sua boca ou terceiros. Num estádio de futebol nem se fala, árbitro de futebol que o diga.
Tem filho que fala para mãe, mãe que fala pra filho e ou até você mesmo mandando teu amigo ou inimigo ou sendo mandado pra esta mulher, esta meretriz que, pelo jeito, teve filho. E se você for o alvo do xingamento, tal meretriz, segundo o interlocutor, seria certamente a sua mãe.
Ou você não sabe que as meretrizes também têm filhos? Algumas os têm às pencas.
Bom, pra se entender o que quero dizer e a história que vou contar aqui, temos que dar algumas explicações.
Uma delas, já que estamos falando português do Brasil claro, de brasileiro para brasileiro, sem desmerecer a classe ou a cultura nacional. Uma meretriz que tem filho, ou filhos, como queira você leitor, é a nossa clássica e repetidamente comentada puta que pariu. Você já parou pra pensar nisso?
Mas ontem quando conheci nosso personagem, nosso anti-herói desta crônica, comecei a pensar diferente e ter outro ponto de vista a respeito dessas progenitoras de “vida fácil”.
E acredite no que vou contar, é tudo verdade mesmo!
Mas ainda é cedo pra falar de nosso senhor personagem, de sua vida e suas dores. E obviamente sua mãe.
Uma puta que pariu, é nada mais nada menos que a maior vítima deste desejo de xingamento, quando deferido a outrem. Sim, pois quando mandamos alguém a ela, não estamos ofendendo diretamente nosso alvo, o que certamente seria nossa intenção e sim a progenitora dele, ou seja, sua mãe. Se ela não for uma meretriz, lógico!
“Peraí, não bota a mãe no meio! Mexeu com a minha mãe, mexeu comigo!”
Vamos deixar claro aqui ainda que muitas mães são mais putas do que parem e outras parem mais do que são putas. Mas não coloque palavras em minha crônica, pois nem todas as putas são mães e nem todas as mães são putas.
Esta confuso né? Não era essa minha intenção... Acredite!
Mas vamos ao nosso cavalheiro, ao nosso filósofo de balcão de bar.
Estava eu tomando meu cafezinho no meio da tarde, junto a pessoas que as conheço e não conheço bem, pois de tão habituê que sou da padaria da esquina de minha casa para este café de minhas tardes, conheço um senhor que passa o dia lá tomando pinga, pois, depois que aposentou não agüenta ficar em casa com a mulher. Também um cavalheiro que sempre pede um sanduíche de mortadela e um copo de água, estranho. Há também o Ceará, o balconista, copa, chapeiro e conselheiro dos freqüentadores de lá, tem receita pra qualquer drama, doença ou palpite de jogo do bicho. Sem contar outras figuras que agora não vem ao caso, mas estão sempre naquele balcão.
Mas não fora nada de comum lá que chamou minha atenção e sim um senhor, de baixa estatura e de idade avançada que nunca o vira lá.
Ele entrou esbravejando algo, que no começo não entendi bem o que era. Mas me chamou a atenção o fato de ele estar enlouquecido de ter sido mandado à puta que pariu por alguém.
Vamos e convenhamos que ser mandado pra esta senhora hoje em dia, neste mundo em que vivemos já nem é algo de tão vergonhoso, tamanha a falta de educação do povo brasileiro e da complacência que temos das coisas feias e erradas que vemos ou ouvimos à nossa volta.
Mas ele estava tão possesso com o fato que minha curiosidade fez aproximar-me dele de modo muito sorrateiro e silente. Dando margem para que o indivíduo puxasse conversa comigo.
Joguei sapo na água. Era o que ele queria. Um ouvido para desabafar a mágoa. Alguém para conversar. Coisa que neste mundo individualista de hoje é raro. Um ouvido aberto. Um coração complacente.
Se apresentou, disse seu nome, um nome comum, que de tão comum, me pareceu ele a imagem de um povo sofrido de um país subdesenvolvido e sem identidade, José da Silva.
Disse ser aposentado, mas trabalhador ainda. Pediu uma pinga, duas e na terceira começou a falar de sua mágoa momentânea. Do que realmente lhe tirara a paz naquela hora.
Fora mandado à puta que pariu por um ex-colega de trabalho por alguma coisa relacionada a dinheiro. Maldito e bendito dinheiro!
Mas o que o incomodava mesmo era que nunca conhecera sua mãe, fora criado num orfanato. E mesmo que quisesse ser mandado para ela, não haveria jeito. Pois passara quase metade de sua vida em busca de sua mãe e nunca conseguiu nem uma pista de seu paradeiro.
“Como pode ele dizer isso? Se nem sei se minha mãe fora uma puta.”
Achei graça no que ele disse e sorri displicentemente, mas silenciei diante de um olhar tão dilacerante de almas que lançou à mim o sujeito. O que nos é engraçado, muitas vezes, pode ofender aos outros e me esqueci disto na hora.
“Meu filho, até gostaria que minha mãe fosse uma puta que me pariu, mas na minha idade sei que ela já deve estar morta. E digo mais adoraria ser mandado à puta que pariu e ter realmente nesta hora para onde ir. Ter a possibilidade de, puta ou não, abraçar minha mãe.”
Me calei, paguei meu café e fui embora.
Chegando em casa, sabendo que minha mãe nunca fora uma puta que me pariu, apesar de nesta vida ter sido mandado várias vezes por outros assim à ela. Abracei-a.
Ela não entendeu nada... Melhor assim!



... GATO LARANJA ...
28/02/2008

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