O Desejo, a Vontade e a Realidade

Jonas, se sentia uma pessoa predestinada, sentia desde a infância que algo grande aconteceria em sua vida. E este sentimento vinha desde a infância, nasceu com ele.
Mas sempre o fora fomentado por sua avó paterna, que desde a viuvez morava em sua casa, contra a vontade de sua mãe.
E quando sua avó, religiosa, devota de Nossa Senhora Aparecida contou a historia de seu xará bíblico, ele teve certeza de que algo nele era mesmo diferente.
Para elucidar melhor o que estou dizendo, e o que a avó de Jonas o contou, vou tentar ser breve sobre a história do profeta Jonas.
Deus queria que ele O servisse. Que ele levasse sua palavra aos povos, mas ele nunca o quis, achava que era um fardo muito pesado e fugiu, pegou um barco e atravessou o mar para fugir da vontade de Deus e sua voz sempre ali, em seus ouvidos. Nesta viagem de barco Deus o intimou novamente e ele recusou. Veio uma grande tormenta, a embarcação estava a deriva e Jonas confessou aos marinheiros amedrontados que esta tempestade era a ira de Deus contra ele, pois ele não queria servir a Deus.
Sem sombra de dúvida os marinheiros atiraram Jonas ao mar e a tempestade parou, de repente. E Jonas foi engolido por um grande peixe (diz-se por aí que era uma baleia).
Não se sabe como ele não foi digerido e nem mastigado pelo peixe, ele ficou lá dentro por dias, ou sei lá meses, se alimentando dos pequenos peixes que o peixão comia. E você pensa que Deus deu trégua a Jonas? Pelo contrário, continuou exigindo que ele voltasse e falasse a seu povo sobre a fé, e suas virtudes. O amor e o bem. Ele ainda recusava, enquanto vivia uma experiência surreal dentro do peixe, viajando pelos mares, numa época em que submarinos seriam impensáveis.
Até que um dia Jonas se deu por convencido e aceitou a vontade Dele. E imediatamente o peixe o cuspiu pra fora na praia de onde ele havia embarcado naquela viagem. Bom o resto da história se você quiser saber melhor leia na Bíblia, no Velho Testamento. Fica a seu critério.
Mas o nosso Jonas, de nossa época, não era nem um pouco religioso. E o plano de Deus para ele passava longe de ser o de seu xará. Começando pela história da baleia. Pois ele sempre se sentia dentro de um peixe indo de Ribeirão Pires na grande São Paulo onde residia até Santo André todo dia num vagão lotado de trem para trabalhar. Ele se sentia uma sardinha em lata. Todo dia.
E a vida aos poucos levara sua visão poética da bíblia para o espaço. Mas ele sempre achava que tudo ai mudar e que sua vida ainda seria grande, seria transformada por Deus.
E esta transformação começou quando ele foi assaltado pela décima vez em Santo André, onde seu trabalho consistia em vender telefones celulares para micro empresas. Neste assalto, pela primeira vez, teve medo de verdade, pois o assaltante era um menino que aparentava doze anos de idade e enfiou uma arma em seu pescoço. O medo foi terrível, a ponto de mesmo sabendo de uma lei de desarmamento civil hipócrita que existe em nosso país, comprou um revolver, ilegal e com a numeração raspada.
Não culpemos nosso personagem por esse delito, pois o medo nos torna vítima de nós mesmos hoje em dia no Brasil. E só quem já foi assaltado, com uma ara apontada para si sabe o que Jonas sentia.
E todo dia, ele com sua pasta de trabalho, seu palm-top e seu Taurus calibre trinta e oito saíam infelizes a caminho daquele trem insuportável numa mochila velha, cheia de esperanças, medos e dois sanduíches de mortadela que sua mãe lhe preparava às cinco da manha antes de sair também.
Mas sua rotina não mudava e sua arma parecia algo sem sentido ali, presente em sua vida. Até um dia em que viu uma pessoa morta a tiros na rua sendo coberta com um pano arranjado por um comerciante, no centro.
Paremos por enquanto aí pra pensar sobre duas coisas. E ponderarmos sobre os pensamentos de nosso Jonas naquele momento.
Você pode até perguntar se ele quis saber o que aconteceu com a vítima, se era bandido, polícia ou apenas mais um Jonas engolido e aí mastigado pelo peixe. Não ele não perguntou a ninguém e nem quis se perguntar o motivo daquele corpo estendido no chão, só fitava a cena com admiração.
Outra coisa intrigante, é que ele, sempre honesto, sempre trabalhador e boa pessoa, não sentiu nada. Não sentiu dó, não sentiu medo e muito menos indignação.
A única coisa real e palpável que veio à sua mente foi de poderia ter sido ele o matador. O assassino. Ele andava armado, ilegalmente, mas armado todos os dias. Não sabia atirar, mas deixava sempre a arma carregada. Pronta ela, a Taurus e ele, o Jonas, para matar.
Durante dias este pensamento rondou sua cabeça, seus sonhos e pesadelos. Aquilo não o deixava em paz. Mas também não tirava sua paz interior, era só subjeção de sua mente.
Continuou andando armado e com seus sanduíches de mortadela na mochila, trabalhando e pegando seu trem de sardinhas humanas. Religiosamente. O pensamento lá, rondando suas idéias, poderia ele matar alguém? Teria ele coragem pra tal?
E se fosse assaltado de novo? Reagiria com uma bala na cabeça do assaltante?
Mas não pense você que tais pensamentos e questionamentos atrapalhavam sua rotina e sua confiança na honestidade, no trabalho e no amor em sua família. Eram só devaneios.
Mas eles não cessavam nunca de sua mente.
Até que um dia contou ao um grande amigo essa amargura que penava seus sonhos. Este amigo sabia que ele andava armado, não era contra, mas aconselhou Jonas a se livrar da arma, pois isto poderia ser a solução deste devaneio. Ele seguiu o conselho.
Deixou a arma em casa pela primeira vez, em meses, e foi para rua, para o trem, para a vida. Mas não pense você que se livrou do pensamento que lhe rondava, pelo contrário. Sem a arma, sentia-se mais seguro para idear seu devaneio mortal.
Certo dia, mais um dia comum em sua vida de novamente desarmado, sentou-se na praça para comer seus sanduíches e percebeu que os havia esquecido em casa. Ficou triste, pois, até tinha o dinheiro para uma refeição barata e suja do centro. Mas gastaria todo o pouco que lhe sobrara do salário e que já tinha destino próprio, um cartão telefônico e um maço de cigarros para sua mãe.
Mas a fome era grande e se dirigiu ao bar mais barato e mais sujo do centro e pediu um pedaço de torta de frango, que vinha grátis um copinho de suco de laranja. Sentou-se em uma mesa no canto do bar. Arrasado pois só lhe sobraria vinte centavos no bolso até o dia de seu pagamento, na próxima semana e as passagens de trem pro resto do fim do mês.
O garçom veio com o prato de torta, o suco o guardanapo e os talheres e o serviu educadamente. Comia aquilo como se fosse a melhor e a pior refeição de sua vida. A cada pedaço de torta, era como se comesse da própria carne. E a vertigem desta sensação aumentava cada vez mais.
Tomou um gole do seu suco de laranja, daqueles feitos com pó químico que de laranja só tem o gosto. Respirou fundo. Havia ainda meio pedaço de torta no prato, quando reparou que adentrava ao bar restaurante uma senhora no auge de seus sessenta anos. Senhora esta que se parecia muito com sua falecida avó.
Sentiu a vertigem novamente e rapidamente se lançou contra a senhora, com a faca sem ponta que estava cortando a torta para cima dela aos gritos: “Saí daqui seu peixe, não me engula seu monstro!”
Todos no bar ficaram horrorizados com a cena, as doze facadas certeiras no peito da velha e os gritos de Jonas. Que perplexo entendeu ali, que seu destino era grande.
Que sua vida mudara para sempre. Entendeu tudo.


... GATO LARANJA ...
29/02/2008

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