O chá de Dona Cleide

Dona Cleide nunca fora adepta a eventos sociais. Mesmo depois de casada, preferia programas domésticos a badalações e festas, fossem de amigos, família ou negócios do marido.
Adorava sua vida de dona de casa, mesmo sabendo que sua vocação nunca fora de Amélia.
O tempo foi passando, os filhos crescendo, ficou viúva, de luto. E se fechou de vez quando o caçula se casou há mais ou menos quinze anos atrás.
Tirando a saudade do falecido, era feliz em sua casinha, com suas samambaias, seu gato persa e sua tevê a cabo.
Mas o imponderável e o tempo foram trazendo um sentimento dentro de seu coração que jamais pensou ter: solidão.
Mas não fora a solidão de sempre, das horas afagando o gato, das conversas a regador com suas plantas que a afligia. Desta, ela até gostava.
Fora a falta de algo que ao contrário de suas samambaias nunca cultivara devido sua falta de traquejo social e seu gosto por afazeres e não-fazeres domésticos: Amigos, ou amigas.
Pensava e não encontrava ninguém em sua memória a não ser vizinhas que de tanto a convidarem pra sair e depois de tantos anos de insistência, desistiram de tirá-la de sua reclusão voluntária.
Não se fez de rogada, no auge de seus setenta e sete anos, tomou um banho, botou um vestido lindo, maquiou-se e saiu.
Ao passar em frente a uma casa de chá de nome sugestivo devido à sua religiosidade, Chá dos Frades, entrou. Sentou-se e perguntou ao garçom o que ele sugeria como um chá novo pra seu paladar selênico e longínquo para aquela tarde de sol.
Foi lhe servido uma grande xícara de chá de hibisco, quando adentrou sua vizinha Silvia ao estabelecimento sem acreditar na cena que presenciava.
“Você? Fora de casa? Tomando chá? Isso merece uma comemoração! O mesmo pra mim, por favor.”
O rapaz voltou trazendo o chá de Dona Silvia e explicou os benefícios medicinais do hibisco e quando chegou na parte sobre o poder afrodisíaco do chá Dona Cleide suspirou...
“Quanto tempo perdi, ai se meu marido fosse vivo... Hoje o circo pegava fogo!”
No outro dia estava ela lá de novo tomando seu chá de hibisco, mas agora acompanhada de Dona Silvia, Dona Jaqueline e muitos quiches e bolos de chocolate.
“É Dona Cleide, o circo sempre pega fogo, sempre!”


... GATO LARANJA ...
28/02/2008

Um comentário:

Unknown disse...
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