A Sorte do Gato Preto

Notamos sempre algo estranho quando nos deparamos com alguém supersticioso, ainda mais no momento exato da execução do ato superstição. Ou você não acha engraçado quando vê uma pessoa desviar de uma escada em plena luz do dia, enquanto o trabalhador está distraidamente pintando sua parede com seu instrumento de trabalho, sem notar a estratégia do transeunte. E as pessoas que fazem o sinal da cruz em frente às igrejas, estas até entendo, mas, tem gente que faz o mesmo em frente ao cemitério, até parece que não moraremos lá um dia eternamente.
Esqueci ainda daqueles que não abrem a porta de casa alheia para sair, com medo de não voltarem mais.
Há ainda muitas que se enumerarmos aqui não contarei a história que pretendo, mas não posso me esquecer do dinheiro embaixo do prato de nhoque de batata na última sexta feira do mês e da lentilha do ano-novo, sem contar as sete ondas da passagem de ano. Engraçado, mas temos que respeitar esta instituição nacional: a superstição.
Mas no que quero contar, vou citar uma das mais temidas de todas, o gato preto. Nossa como tem gente que tem medo de gato preto. Na porta do cemitério então, sei lá quantos anos de azar!
Bobagem!
Mas Augusto nosso amigo aqui, achava que não tinha superstição nenhuma, mas não lavava a camisa do seu time enquanto semana após semana o time estava ganhando. Ele dizia que não era superstição e sim uma mania. Todo supersticioso tem uma mania.
Só que de uma coisa ele nunca teve medo, escada. Fazia questão de passar embaixo só para fazer média com os amigos e as pessoas que estavam por perto. Adorava quando ouvia um conselho de alguém neste momento, do tipo: “Não faça isso, dá azar!” E ele ria por dentro nesta hora, nunca acreditou neste negócio de sorte ou azar.
Houve uma época em que a vida de Augusto, que nunca fora uma vida fácil, começou a degringolar de uma vez só.
Primeiro veio a falência de sua empresa, pequena, modesta, mas que lhe deixou uma dívida bancária e credores impagáveis. Contudo ele tinha fé que tudo se resolveria. Que tudo ia dar certo.
Mas cadê emprego novo, onde estavam as oportunidades de um recomeço, onde estava a grana para pagar suas dívidas? Só arrumava bico. O gerente do banco, antes seu amigo, o queria agora preso. Seus ex-fornecedores o procuravam com notas e palavras pouco amigas nas mãos e nos bolsos.
Ao invés de emprego fixo, dinheiro pra poder recomeçar, ele só arrumava bico para sobreviver, e mal.
Aí veio a separação, e aí já viu, esposa que ganha mais que marido das duas uma: ou larga o indivíduo falando sozinho ou arruma um amante. Mas com Augusto a vida foi cruel: os dois aconteceram simultaneamente.
Pronto, foi um passo para a beira do abismo. No entanto ele nunca tivera tendência suicida, e se matar era coisa de covarde em sua opinião. Ele era um otimista, e nem por isso se deixava abater.
Mas um dia, por exemplo, num bar afogando suas mágoas na cachaça ele me confessou que estava no fundo do poço, e ao olhar para o chão deste fundo de poço encontrou uma argola de ferro debaixo do lodo. Resolveu puxar a argola e percebeu que era apenas uma tranca de um alçapão. E chorando me confessou: “Gato, no fundo do poço tem porão! Aonde mais posso chegar?!”
Neste dia senti uma coisa feia pelo meu amigo: pena.
Mas dei conselhos, disse que isto é só uma fase, na vida tudo passa e que um dia ainda íamos rir disso. Coisas e frases feitas que todo amigo diz nesta hora. Coisas que pra quem está no porão do fundo do poço não fazem sentido algum. Não acrescentam nada e acredito que ainda fazem com que a pessoa sofra mais. Ao te ver otimista com ele ao chão.
Ele tomou um trago, paguei sua pinga e me abraçou dizendo que eu era o único amigo com quem ele podia contar mesmo, de verdade. O restante, família, no fundo no fundo, estavam mais preocupados com a mancha que ele deixava em suas imagens do que com sua situação real, suas dores individuais.
Não o vi mais depois desse dia. Mas ele continuou sua luta para sair do buraco.
Emprestava jornais dos parentes e tentava qualquer emprego, qualquer oportunidade para poder pagar suas dívidas, sua pensão e apagar seu passado.
Ouvia mais não do que sim, pois pudera sempre fora seu próprio patrão, e na hora de pedir emprego os empregadores viam que ele nunca tivera experiência como empregado, e sua falência profissional contava muito, ao ponto de receber muitos tapas nas costas e promessas de ligações que nunca aconteciam.
Começou entrar em desespero, lembrou-se de sua juventude. Quando tocava numa banda de rock, pois estudara música por toda infância e adolescência, cantava bem em reuniões informais com seus amigos, tocava piano e violão. Mas isto sempre fora um hobbie. E nunca uma profissão.
Lembrava-se dos conselhos de sua mãe de que música não dava futuro, que ele devia estudar e ter um diploma e uma profissão. Conselhos nunca seguidos. Buscara seu caminho como comerciante no ramo de alimentação, sempre com sucesso, mas lá no fundo sua alma de artista ainda falava alto. Sempre que podia escrevia uma música, tirava um som de seu piano.
Mas fazia tempo que não tocava uma música, desde que sua vida entrara em parafuso esquecera de seus hobbies. E agora ainda mais depois de sua queda pessoal, sua derrocada profissional, esquecera-se completamente disso.
E essa lembrança fez com que ele aquecesse seu coração, mas ainda sentia desespero em sua alma. Pela falta de perspectivas momentâneas.
Chegando em seu quarto de pensão pegou seu violão e tocou pela primeira vez em meses de agonia pessoal. Mas faltava um sinal, faltava algo na alma de um profissional que o motivasse a tomar um rumo diferente em sua vida.
Dias depois, andando pelo centro encontrou um amigo de infância e de banda de rock que ainda estava tocando, mas agora profissionalmente. Conversaram horas sobre o passado, sobre o presente e foi aí que ao falarem no futuro, recebeu o convite para tocar piano em um novo trabalho, numa casa noturna de São Paulo, coisa profissional e bem remunerada. Mas precisava ajudar não só apenas com suas mãos hábeis no piano, mas também definir o nome da banda.
Saiu daquela conversa super radiante, feliz mesmo, como não se sentia há anos. Vislumbrou a perspectiva de uma virada em sua vida, remuneração condizente com sua posição e mais, se sentiu jovem aos trinta e três anos de idade, um adolescente.
Virando a esquina deparou-se com um filhote de gato perdido, um gato preto.
Imediatamente ligou para seu amigo e passou o nome novo da banda para ele: Gato Preto da Sorte, ou seja, GPS.
Daí por diante sua vida mudou mesmo e para melhor sempre. Tocou a vida e foi feliz tocando piano.





... GATO LARANJA ...
02/03/2008

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