Um Set na alma humana

Vida de aposentado já foi mais difícil, não digo neste país apenas, mas minha vivência de gato mostra que hoje meus amigos bichanos de senhoras na melhor idade estão ficando mais sós em casa do que nunca.
Já foi o tempo em que velhinha ficava em casa cuidando do gato e regando samambaias entre um remedinho e outro. Mas também não foram as aposentadorias que aumentaram de valor e sim as opções de lazer e a busca por coisas mais interessantes pra fazer do que resmungar em casa e esperar a morte chegar com a sacolinha de remédios nas mãos.
E seu Alfredo é um desses aposentados que não ficam em casa. Viúvo há mais de dez anos, nunca quis uma companheira pra si, pois sente que ainda ama sua esposa onde quer que ela esteja. Mas aproveita o tempo em várias atividades.
Faz ginástica, dança de salão. Gosta de ver seu coringão jogar na padaria da esquina de sua casa. Mesmo em jogos noturnos. Internet então, depois que descobriu, só para depois das duas da manhã.
Mas uma dessas atividades de seu Alfredo, e uma das que mais gosta é um pouco estranha, perdoada toda mania estranha de velho. Eles podem, tem direitos adquiridos pela idade de serem estranhos e diferentes, como uma aposentadoria de restrições sociais.
Voltando a mania diferente de seu Alfredo. Ele todo sábado vai ao clube de campo assistir jogos de tênis. Geralmente garotos adolescentes que se matam e suam sozinhos em seus respectivos lados atrás de uma bolinha amarela com uma raquete em punho.
Seu Alfredo gosta de ver mesmo o empenho dos meninos solitários em seu jogo. Ele nunca soube e nunca se perguntou direito as regras do jogo. Nem se interessa por isso realmente. Mas de tanto assistir jogos entende que as partidas são divididas em sets. Contados de uma forma em quem faz seis pontos ganha um set, com oportunidades de saques contados em pontuação que nunca entendeu, mas iguais para cada lado dos jogadores.
E o que ele entende bem mesmo é que o tênis é um esporte solitário, assim como ele. Cada qual com seu jogo e sua vida. Um esporte de concentração e que só é vencido jogada por jogada. Sem pensar no futuro e sim no que está acontecendo agora neste instante em quadra. Como sua vida de aposentado e viúvo.
Gustavo por sua vez é um menino bom, toca guitarra, estuda num bom colégio e ama sua namorada. Mas sua paixão mesmo é o tênis. Joga bem, tem um saque forte e preciso. Seu jogo de fundo de quadra é impressionante para um garoto de dezesseis anos. Pancada de gente grande na bola.
E todo sábado está lá na quadra do clube jogando muito e vários sets com seus amigos. E nunca deixa de notar aquele torcedor idoso sempre presente, que com o tempo, até troca algumas palavras como “bom dia”, “tudo bem com o senhor?”, “gostou do jogo”. A resposta de seu Alfredo é sempre cordial e maneada por sins e ótimo. Seu Alfredo é um senhor gentil.
Com o tempo Gustavo tornou-se o jogador predileto do nosso idoso torcedor. Não por seu jogo bem colocado e agressivo. Mas pela sua falta de equilíbrio emocional e concentração nas bolas, pelas raquetes lançadas ao solo em pontos perdidos, pelos auto xingamentos a que se impunha o moleque ao errar jogadas fáceis. Isso o faz lembrar de sua juventude, de seus destemperos infantis. De um tempo em que os hormônios estão contra nosso pensamento equilibrado e nossa concentração ao derredor cotidiano.
E Gustavo, às vezes mesmo jogando bem e tendo uma pegada mais forte que seus habituais oponentes, vive perdendo jogos. Seu Alfredo que não entende nada de tênis sabe o porquê. A falta de equilíbrio emocional do garoto, o destempero a que o faz senil e feliz recordar de sua juventude.
O garoto não entende como pode ser o jogador mais aplaudido do velho em ótimos lances, se, às vezes, no fim do set, perde o jogo.
Gustavo, repito não é um mal garoto, mas é vitima do destempero juvenil. Que ao observá-lo em quadra, rememora seu Alfredo de um passado longínquo e tempera seus sábados solitários de torcedor.
O menino sempre ao observar seu torcedor fã, queria poder ter a paciência e o controle emocional contidos no sorriso do velho. Poder ter aquela pose de quem já conquistou o mundo e é feliz nas lembranças de suas navegações pelos mares da vida
E seu Alfredo gostaria muito de, ao observar o jogo duro e solitário do menino, ter novamente dezesseis anos e com sua sabedoria jogar tênis aos sábados.
Mas Deus dá asas e raquetes nas mãos de todos em nossa vida. E o Ele que não nos conta divinamente em Sua sabedoria onipresente é a receita do conhecimento, da sabedoria e do equilíbrio para que quando entrarmos nas quadras da vida e jogarmos os sets da alma não desperdicemos nosso tempo, nossa vida e nosso melhor jogo.




GATO LARANJA
15-03-08

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